terça-feira, 22 de setembro de 2020

Casa de Passagem

Durante anos levamos a grutinha de baixo do braço, com tudo que essa frase leva junto. Cuidamos, abusamos e nos lambuzamos. Chegamos assim, depois de umas boas namoradas intensas com ensaios, reuniões e pequenas festinhas. Lá estavámos nós, de cara com as paredes todas brancas e uma vontade enorme de ocupar esta casa que ja tinha sido maldita, casa de gafieira, sede de time de futebol, bar da lora e talvez outros tantos que ainda desconheço.

Sabíamos da força desta gruta, deste tanto num só canto. E deste entorno que já era nossa casa há anos, desde lírios, casa das misericórdias, peixes saltitantes, lu e seu cicero, 171, cinehortis, genoveva, pitangui, silviano...
E assim foi, devagarzin abrimos a porta desta casa de passagem, Genoveva a pitangui, pra 5, 10, 15 pessoas ( nossa, hoje encheu! inoocente!)
Fazíamos nossas experimentações, misturando teatro, vídeo, performance e festa.
O Lula tava de saída, a Dilma ia chegar e ser arrancada. Era tempo de botar nosso corpo na rua, de sentir a potência do coletivo e das redes sociais. O bordello nem tinha nascido, não tinhamos lugar pra ir na madrugada. E éramos xovens. Era tempo de libertação do corpo, tempo da festa como o ato mais revolucionário que conhecíamos.
Fazíamos nossas festinhas e de repente um povo começou a aparecer, a pedir data pra fazer uns eventos, a casa começou a encher, gente, hoje tem fila na porta. Até que um dia  veio uma festa do cinema com o tião. "Olha a gente tem uma banda, temos público vai ser massa, tem essa data p gente?"
Já tinha coisa marcada mas como falar nao pra quem precisava de espaco pra arte? Uai, vamos juntar? tem uma festa nossa de um coletivo performático _o obscenidades_, bora? Uai, bora!"
Num era nem meia noite e a fila ja tava enoorme, a gente se olhava e dizia, gente que que isso? De onde saiu tanta gente? Sabe assim casa de mãe?
E os amigos se juntam pra ajudar, vai uma pra portaria, outra pro bar, outra sai pra comprar cerveja e aguenta o falatorio no caminho rarara. E a grutinha explode de prazer, de tesao e as pessoas se amam, como sempre, com 5, com 10 com 500.
E mais e mais gente pede data, a gente vai a fazer, recebe o nascimento de ideias lindas como a dengue, a geleia gearl e as bacurinhas em fexta, recebemos lá da favelinha, festas feministas, festivais, teatro, cinema. O peito enche de alegria de estar ali nestas pequenas enormes revoluções!!! Benção. E a ideia de circular dinheiro entre os artistas se concretiza. Num turbilhão de desejos, intensidades e impulsividade seguimos tantos anos.
Passamos por água, fogo e uma infinidade de acontecimentos nestes anos e conhecemos tanta gente, tanta potência. Muitos agradecimentos. E muita gente, muita gente com a grutinha como espaço de ensaio, de experimentações, de festa, de espetáculo. Eramos só quatro braços segurando o rojão pra tanta coisa. E mais um tanto de anjo a ajudar. Fomos poucos e fomos muitos.
Vivemos a força da grutinha, que foi conquistando tanta gente, uma página que sem muito esforço já tinha mais de 10mil... Ficou muito grande pra só 4 braços... a grutinha já era da cidade. Quando a gente precisou de uma distância, muita gente colou, me vende o ponto? Não fecha pelo amor das deusas. Como fazer isso? Nunca conseguimos pensar muito... pra variar o coração falou antes da boca... Depois de alguns movimentos, uma junção bonita se anunciou,  a utopia gritou. 
Ali naquele momento já não fazia sentido gerar verba para artistas, alimentando uma indústria de milho transgênico, não fazia sentido contribuir pra quem maltrata e mata as pessoas pelo lucro desenfreado, era necessário repensar essa plataforma de invenção.

BH, 2017, 2020

Nenhum comentário:

Postar um comentário